Fisioterapeuta pega vendendo recibo para imposto de renda






A Receita Federal está fazendo uma minuciosa investigação nas deduções de despesas médicas feitas por contribuintes brasilienses em suas declarações de Imposto de Renda (IR) nos últimos cinco anos. O objetivo é encontrar irregularidades, como a omissão de receitas dos profissionais das áreas de medicina, a prestação fictícia de serviços, o superfaturamento dos gastos ou até a falsificação de documentos. O trabalho começou há apenas três semanas, mas já apresenta resultados alarmantes. Os fiscais detectaram fraudes graves, como a compra de recibos em tratamentos que nunca existiram.

"Estamos cruzando as informações prestadas nas declarações de todos os médicos, dentistas, fisioterapeutas e outros ramos médicos do Distrito Federal com as dos pacientes que informaram ter feito tratamento com eles. Estamos encontrando enormes distorções de valores. Em alguns casos, o trabalho está resultando em representações ao Ministério Público para fins penais", diz o delegado da Receita em Brasília, João Paulo Martins. Por enquanto, os 15 fiscais responsáveis pelo trabalho estão dando ênfase às declarações de 2003 a 2006. As feitas neste ano ficarão para um segundo momento.

Agora, os auditores estão debruçados sobre as prestações de contas de 39 profissionais, que emitiram notas fiscais para 5 mil contribuintes. A diferença entre o que os médicos e os pacientes declararam chegou a R$ 24,8 milhões. Segundo as primeiras estimativas dos técnicos, o imposto sonegado nesse grupo chegou a R$ 6,8 milhões. As multas aplicadas aos contribuintes, que variam de 150% a 225% do imposto devido, devem somar R$ 10,2 milhões. Os juros sobre os recolhimentos atrasados serão mais R$ 3 milhões. No total, o governo deve arrecadar só com esse pequeno grupo mais de R$ 20 milhões.

Segundo Martins, essas declarações foram as que mais chamaram a atenção dos fiscais numa primeira verificação. A Receita não pode informar os nomes dos contribuintes por causa do sigilo fiscal. Nesse primeiro conjunto de declarações, o caso mais esdrúxulo encontrado até agora foi o de uma fisioterapeuta e um de dentista que venderam notas fiscais a 1.057 pessoas, sem nenhum tratamento correspondente. O valor total das notas é de R$ 8,5 milhões em quatro anos, enquanto os profissionais declararam rendas por volta de R$ 100 mil anuais. Alguns de seus pacientes informaram despesas de até R$ 66 mil.

Efeito demonstração

"A venda de notas foi num volume absurdo. O verdadeiro negócio da fisioterapeuta era vender notas. Acho que ela nem faz tratamento nenhum", constata Martins. De acordo com a investigação, os recibos custavam entre 2% e 10% de seu valor. Os auditores calculam que o imposto sonegado foi de R$ 2,5 milhões. Quando se soma o valor devido às multas, estimadas em R$ 3,5 milhões, e a R$ 1 milhão de juros, os dois profissionais e seus clientes devem render aos cofres da União nada menos que R$ 7 milhões - esse montante está dentro dos R$ 20 milhões estimados para os 39 profissionais sob suspeita.

A fisioterapeuta, o dentista e 120 contribuintes já foram intimados a dar explicações. Ela admitiu que vendeu as notas frias, ele ainda resiste e cerca de 70 falsos pacientes já confessaram a negociação. "Todas essas pessoas estão sofrendo representação penal e o Ministério Público deve denunciá-las", diz o delegado da Receita. Em outras palavras, os sonegadores podem parar na prisão. Martins explica que aqueles que cometeram as irregularidades e ainda não foram intimados podem fazer declarações retificadoras, mudar os valores informados e recolher o imposto com juros e multa de apenas 20%. Assim, ficam livres do processo.

A Receita ainda vai demorar em torno de três meses para intimar todos os suspeitos dessa primeira fase da investigação. Os contribuintes que forem funcionários públicos poderão responder a inquérito administrativo nos seus órgãos e os profissionais da área médica estão sujeitos a representações da Receita junto aos conselhos que regulamentam suas atuações. Em última análise, poderão até ter o registro cassado. Segundo Martins, o aperto na fiscalização tem um "grande efeito demonstração". Quando os sonegadores descobrem a ação dos fiscais, correm para regularizar sua situação.

O número

Concentração

1.057

declarantes compraram notas de um dentista e de uma fisioterapeuta

Excesso de tributos estimula fraudes

Sob pressão, contribuintes vão a postos de atendimento acertar contas

A ação cada vez mais presente da fiscalização da Receita Federal, resultado direto da crescente complexidade do sistema tributário nacional, está asfixiando a iniciativa empreendedora das empresas brasileiras. Além disso, as operações "espetaculares" em conjunto com a Polícia Federal não servem para intimidar eventuais sonegadores, mas expõem desnecessariamente a imagem de empresários nem sempre culpados dos delitos de que são acusados. A opinião é do advogado Édison Freitas de Siqueira, presidente do Instituto de Estudos dos Direitos do Contribuinte (IEDC) e um dos mais ferrenhos defensores da adoção de regras para proteger pessoas físicas e empresas de abusos do Fisco.

"Os fiscais cumprem a legislação, mas não percebem que estão também sufocando a sociedade ao executar uma série de leis que se amontoaram umas sobre as outras, sem nenhuma lógica. A alta complexidade do sistema tributário está forçando a criminalização da atividade produtiva e inibindo o crescimento econômico", diz Siqueira. Para ele, se as regras fossem mais simples, não haveria necessidade de uma ação fiscalizadora tão presente e os contribuintes não se sentiriam tão tentados a burlar o Fisco. O advogado reclama principalmente da cobrança de impostos antecipados, com posterior devolução do excesso arrecadado. "Muitas empresas têm de esconder parte das receitas para sobreviver. O certo seria tributar só depois do bem produzido e do rendimento recebido."

Na avaliação de Siqueira, operações como as que foram feitas na Daslu, loja de artigos de luxo de São Paulo, e na Cervejaria Schincariol, que redundaram em prisões filmadas por equipes de televisão, contribuem para a degradação da atividade econômica e podem ser fonte de injustiças. "Esse tipo de publicidade e exposição só se justifica depois de sentença transitada em julgado, quando se tem o máximo de certeza de que irregularidades foram cometidas. Antes disso, há uma grande chance de se produzir injustiças contra gente inocente", diz. Siqueira é autor de um projeto de Código de Defesa do Contribuinte que tramita na Câmara. "O objetivo é estabelecer princípios éticos na convivência do governo com o contribuinte."

Índice de vulnerabilidade

A maior presença dos fiscais na vida dos brasileiros pode ser medida pelos números. Segundo um balanço preliminar, as autuações da Receita somaram R$ 35,8 bilhões no primeiro semestre, um volume 86,5% superior aos R$ 19,2 bilhões de igual período no ano passado. A cúpula da Receita atribui esse valor recorde às medidas de aperfeiçoamento do combate à sonegação e ao aumento do número de ações. O universo de contribuintes fiscalizados, pessoas físicas e empresas, praticamente dobrou do primeiro semestre de 2006 para cá, chegando a 199.859. A Receita, que ainda não divulgou os números oficialmente, pretende continuar com esses esforços até o fim do ano.

O aumento das fiscalizações, reforçadas ainda pela fusão entre as Receitas Federal e Previdenciária, formando a Super-Receita, levou o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) a elaborar um Índice de Vulnerabilidade Fiscal das Empresas (IVFB). O indicador de cada companhia é obtido com a resposta a um questionário de 10 questões sobre o faturamento, movimentação financeira e cambial, vendas no cartão de crédito e gastos com serviços terceirizados, por exemplo. A compilação dos pontos obtidos aponta a possibilidade de a empresa ser alvo dos fiscais federais, que pode ser remota, pequena, média, grande e provável, dependendo do resultado.

"É importante que os empresários e os profissionais que lhes prestam serviços saibam os riscos e as conseqüências da sonegação fiscal, como multas, arrolamento e bloqueio de bens, comprometimento da imagem empresarial e processos criminais" alerta o p residente do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral. Segundo dados levantados pelo instituto, a Receita emitiu 58.579 autos de infração entre 2001 e 2006, num valor total de R$ 254,078 bilhões em crédito tributário. A média foi de R$ 4,337 milhão por autuação. O comércio foi o setor mais afetado, com 34,39% do número total de fiscalizações, seguido da indústria (25,4%) e da prestação de serviços (18,32%). Quando o critério são os valores das multas, a indústria ganha (30,02% do total), seguida do comércio (17,54%) e dos serviços financeiros (17,54%). (RA)

Os fiscais cumprem a legislação, mas não percebem que estão também sufocando a sociedade ao executar uma série de leis que se amontoaram umas sobre as outras

Édison Freitas de Siqueira, presidente do Instituto de Estudos dos Direitos do Contribuinte
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