Filé diz que futebol é seu compromisso de vida






Nilton Petroni, o Filé, mora com a esposa e os cinco filhos num apartamento confortável em Perdizes, região nobre de São Paulo. Está bem de vida, mas poderia ter mais. "Os empresários mais ricos do País já me procuraram para que eu fosse o fisioterapeuta deles. Eu seria milionário se aceitasse. Trabalharia bem menos e ganharia bem mais. Mas meu compromisso como fisioterapeuta é outro."

Filé quer é trabalhar em clube de futebol. Quer fazer de seu local de trabalho um centro de excelência em prevenção e recuperação de lesões. Quer chegar ao CT às 8 horas da manhã e sair depois de o último jogador ir embora. Quer viajar nos fins de semana e ficar concentrado com o elenco. Quer o desafio de curar a lesão do craque da equipe a tempo de ele jogar uma partida decisiva. Filé quer ser campeão. Sempre.

E quer mudar a cara da classe dos fisioterapeutas de times de futebol. Mal comparando, é mais ou menos o que Vanderlei Luxemburgo quer fazer em nome dos treinadores - depois de 25 anos de carreira, o treinador também já poderia estar cuidando de funções administrativas, pelas quais mostra muito apreço, mas não arreda o pé do gramado.

Há semelhanças entre Filé e Luxemburgo: ambos nasceram em regiões pobres do Rio de Janeiro. O técnico é de Madureira, o fisioterapeuta nasceu no bairro do Maracanã. Ralaram muito pra chegar onde estão. Contaram com a sorte também. "A deusa da oportunidade é linda, mas só tem cabelo na parte da frente da cabeça. Atrás, ela é careca. Se ela passa por você, não há como agarrá-la depois", filosofa Filé.

A história dele renderia um best-seller. Ele sabe disso. "Vou lançar primeiro um livro técnico, sobre lesões de joelho. Em mais de 20 anos de carreira, já examinei uns 18 mil joelhos. Sou especialista nisso." A biografia vai demorar. Mas será espetacular. Começa com a pobreza na infância e um sonho. Aí pintam dedicação, capacidade, sorte, reconhecimento. E um drama no auge de sua carreira. "Tive um filho que nasceu com distrofia muscular. Ele parou de andar aos seis anos, foi para uma cadeira de rodas aos nove, perdeu todos os movimentos aos 12 e morreu aos 16, em 2001."

Nesse momento, Filé fica com lágrimas nos olhos. Mas não chora. E continua a contar sua incrível história. "Eu entregava jornal de madrugada para poder pagar a faculdade. Não tinha dinheiro para nada. Só sabia que não poderia ser mais um na minha profissão. Eu tinha de me destacar de alguma forma."

BOCA A BOCA

Filé tinha 24 anos quando lhe disseram que precisava fazer um curso de especialização, além da faculdade de fisioterapia que já cursava. "Eu só tinha uma Brasília velha. Vendi e paguei o curso." A partir dali, as coisas começaram a mudar. Filé foi trabalhar na Universidade Castelo Branco. Criou um centro de recuperação para atletas. Vários jogadores, como os zagueiros Gonçalves e Wilson Gottardo, que cursavam Educação Física naquela universidade, procuraram o fisioterapeuta. "De repente, meu trabalho foi ganhando repercussão graças ao boca a boca. Pessoas passaram a me procurar."

Romário e Ronaldo foram os dois mais famosos. O tenista Gustavo Kuerten, mais recentemente, também o procurou. "E aí recebi a oferta do Santos." Filé poderia, então, consolidar seu tão sonhado centro de recuperação para jogadores de futebol. Foram dois anos na Baixada, até que Luxemburgo saiu, Leão chegou e pintou a proposta do Palmeiras. O casamento com Vanderlei Luxemburgo poderia continuar em São Paulo.

"Notei uma grande vontade da diretoria de investir na estrutura. Isso é legal! O Vanderlei diz que, antigamente, havia até bicicleta sem pedal aqui no Palmeiras." O raciocínio de Filé é simples. "Ao investir R$ 150 mil numa máquina que ajuda a prevenir lesões, o clube tem um retorno enorme. De quanto seria o prejuízo se um jogador como o Valdivia se machucasse? E o Diego Souza? E o Denilson? Agora bota tudo isso numa balança e me diz o quanto o clube economiza, sem jogadores encostados no departamento médico."

É esse o maior sonho de Filé. "Quero que os fisioterapeutas sejam encarados de outra forma. Busco mais respeito para nossa profissão no futebol." É por isso que ele abriu mão de mais dinheiro. "Isso não traz felicidade." (AE)

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